Bases da Cirurgia
Histórico
- Século XIX- infecção como obstáculo ao desenvolvimento da cirurgia
- Semmelweis,1846,seção de clínica obstétrica do Hospital Geral de Viena
- Prevenção das infecções de contato,com solução de ácido clórico, à partir de maio de 1847.Pedra angular da assepsia
- Joseph Lister,Universidade de Glasgow, une as idéias de Semmelweis aos conceitos de Louis Pasteur
- Prevenção de infecções cirúrgicas através do uso de antissépticos, à partir de 1865
Outras contribuições surgem:
- avental cirúrgico, Neuber, 1882
- luvas de borracha, Halsted, 1889
- padronização da antissepsia das mãos, Schimelbusch,1891
- uso de máscaras, 1896, Von Mikulicz Radecki
Introdução
- Infecção pode ser causa, motivo ou consequência da cirurgia
- Para ocorrer infecção deve haver inóculo bacteriano
- 10000 bactérias /g, aeróbias e anaeróbias facultativas para tornar uma ferida infectada
Classificação etiológica
Infecções bacterianas
bactérias aeróbias:
- cocos gram+; estafilococos e estreptococos
- cocos gram-; neisseria gonorrhealis
- bacilos gram+; mycobacterium tuberculosis
- bacilos gram-; escherichia coli, proteus, klebsiela,salmonela e pseudomonas
bactéria microaerófilas:
- cocos gram positivos;estreptococos
bactérias anaeróbias:
- cocos gram positivos;peptococos
- bacilos gram positivos;closrtidium tetani
- bacilos gram negativos; bacteróides sp, bacteróides fragilis
Infecções não-bacterianas
Fungos: candidíase, bastomicose, coccidioidomicose, esporotricose, actinomicose
Viroses: herpes, varicela, citomegalovírus,poliovírus e hepatite
Resposta imunológica à infecção
- Resposta vascular(histaminas e cininas)
- Dilatação capilar, constricção venular, diminuição da velocidade do sg, aumento da permeabilidade capilar, extravasamento proteico
- Alteração da parede endotelial, granulócitos e monócitos margeando as paredes dos capilares, leucócitos ultrapassam a parede dos capilares através de junções intercelulares que se abrem (diapedese)
- No exsudato estão anticorpos e componentes do sistema do complemento.Anticorpos contra microorganismos presentes na intimidade dos tecidos combinam-se com os antígenos da superfície dos mesmos
Ativação do sistema do complemento, que desencadeia reações químicas:
- lesão ou lise da cápsula da bactéria
- liberação de substâncias quimiotáticas que atraem o leucócito
- Indução da aderência imunológica que irá permitir a fagocitose(Ac e complemento não têm ação bactericida isoladamente, exceto para algumas espécies de gram+ e gram -, em conjunto)
Movimentação aleatória de neutrófilos fora dos vasos até poucos mm das bactérias previamente atacadas por anticorpos e complemento
- Neutrófilos quimiotaticamente atraídos, aderem ao micróbio e o fagocitam
- Complemento é fator fundamental (opsonizador)
- Papel importante na morte celular intra-leucocitária das bactérias, por provocar alterações na sua cápsula
- Liberação de enzimas (peroxidase, catepsinas, lisosimas, lipase, proteases e nucleases) e destruição da bactéria
Causas de infecções cirúrgicas
Fatores dependentes das bactérias
- número de bactérias
- interferência em mecanismos de defesa:
.inibição da fagocitose(pneumococos)
.resistência à morte celular
.dificuldade de aporte de anticorpos,complemento e leucócitos através da liberação de exotoxinas(clostrídios) - número insuficiente de fagócitos:
.diminuição de fluxo sangüíneo
.tecidos desvitalizados e corpo estranho
.diminuição da reatividade vascular (uremia, senilidade e corticóides)
.depleção medular - fagocitose deficiente por insuficiência de opsoninas séricas ou anormalidades do próprio fagócito:
.cetose
.hiperglicemia
.prematuridad
.neoplasias(leucemias)
.deficiência imunológica da síntese de anticorpos e complemento - redução da ação bactericida dos fagócitos
.doenças congênitas(dç granulomatosa crônica da infância)
.condições adquiridas(queimaduras,grandes traumatismos e transplantes) - fatores séricos anormais
.agentes anticomplemento(heparina)
.disgamaglobulinemias, hipo ou agamaglobulinemia
Evolução da infecção cirúrgica
- Erradicação das bactérias pelo processo inflamatório agudo(sede de reparação)
- Evolução sem cura
- Coleção líquida purulenta
Pus- resultado da ação de enzimas proteolíticas liberadas localmente e que produzem liquefação do tecido necrosado
- Celulite- extensão de infecção e do proc.inflamatório sem a formação de pus, no TCSC,superficialmente à fáscia profunda
- Empiema- formação de coleção purulenta em uma cavidade real
- Abscesso- formação de coleção purulenta formando uma cavidade virtual
- Linfangite- progressão da infecção através dos linfáticos
- Gangrena- necrose de tecido sobre a qual se instala putrefação
- Bacteremia- queda de bactérias na circulação sem que haja multiplicação
- Septicemia- presença e multiplicação de microorganismos na circulação
- Sepse- alterações do metabolismo celular pela ação de toxinas bacterianas, com prejuízo da perfusão tecidual em orgãos vitais(choque séptico-CIVD-falência múltipla de órgãos e sistemas)
Fatores gerais de risco
- Extremos de idade- diminuição da resistência
- Obesidade e desnutrição-dificuldades técnicas e diminuição das defesas
- Choque-prejuízo dos mecanismos celular e humoral pela má perfusão tecidual
- Arteriosclerose- redução da perfusão sangüínea regional, diminuição da capacidade bactericida do leucócito em ambiente hipóxico
- Neoplasias-
- Imunossupressão-
- Córticosteróides- efeito deletério sobre as defesas
- Infecções à distância-
- Diabetes melito não compensado-
.hipóxia por microneuroangiopatia diabética ou obstrução arterial
.glicemia acima de 200mg%, com função deficiente dos leucócitos, diminuindo a quimiotaxia, fagocitose e destruição intra-celular das bactérias
Fatores locais de risco
- Contaminação-
.escovação e paramentação adequadas
.anti-sépticos eficientes
.conversação e risos são desnecessários
.número grande de pessoas
.circulação excessiva de pessoal - Tecidos desvitalizados-
.suturas sob tensão(isquemiantes)
.ligaduras em massa
.uso excessivo do eletrocautério
.exposição prolongada do tecido
.esmagamento do tecido com pinças - Corpos estranhos-
.materiais introduzidos acidentalmente(vidro,areia, madeira)
.parte obrigatória do procedimento cirúrgico(fios de sutura, próteses vasculares, telas) - Hematomas e seromas-
.substrato para o crescimento bacteriano
.inibição da fagocitose e da destruição da bactéria pelo leucócito - Irrigação sangüínea precária-
.ineficiente liberação dos fatores de defesa imunológica transportados via sangüínea
. Comprometimento da função do leucócito
Classificação das feridas quanto ao grau de contaminação
- Limpa- operações eletivas, sem penetração do trato aerodigestivo ou genito-urinário (hernioplastia, tireoidectomia)
- Potencialmente contaminada- penetração em vísceras colonizadas por bactérias, sem extravazamento evidente do seu conteúdo (apendicectomia,colecistectomia, trato urinário não infectado)
- Contaminada- grande infração às técnicas de assepsia, extravazamento de conteúdo gastrointestinal, abertura do trato genito-urinário ou biliar na vigência de infecção
- Infectada- perfuração de víscera oca, operação sobre área com infecção bacteriana sem pus, ferida traumática com corpo estranho ou tecido desvitalizado, ferida traumática por agente sujo
Normas para antibioticoprofilaxia
- Sensibilidade específica-
.quando o agente não é conhecido, o antibiótico é selecionado pelo provável contaminante e sua sensibilidade - Momento da administração-
.uso profilático implica na administração antes de ocorrer a contaminação, via parenteral, para assegurar concentração sérica e tecidual no momento da contaminação - Farmacocinética-
.a eficácia está relacionada aos níveis teciduais bactericidas no momento da cirurgia
.deve-se manter os níveis séricos durante todo o procedimento
.duração deve ser curta(24-48h) - Uso racional
.agentes de primeira linha
.duração
.seleção de atb contra a maioria dos agentes determinados
.custo
.toxicidade
Indicações de antibioticoprofilaxia
- Feridas traumáticas
.tratamento cirúrgico depois de 6 horas
.provocada por agente sujo ou tecidos desvitalizados
.não pode ser desbridada com segurança(mãos, face)
.feridas penetrando articulações
.fraturas expostas
.lesões associadas do trato gastrointestinal
.tecidos desvitalizados ou com corpo estranho - Feridas operatórias
.feridas limpas- com inserção de prótese,pacientes com infecção à distância e protadores de valvulopatia reumática ou próteses valvulares
.feridas potencialmentes contaminadas- amputações por insuf.vascular periférica,gastrectomias por CA, esvaziamento cervical
. Feridas contaminadas e infectadas- sempre usar - Operações colorretais
.aeróbios gram- e anaeróbios- aminoglicosídeos(gentamicina e amicacina) e metronidazol
preparação mecânica dos cólons - Operações gastroduodenais
.cefalosporinas(cefazolina ou cefalotina) - Operações biliares
.gram-(e.coli, klebsiela sp., proteus sp.) e anaeróbios- cefalosporinas (cefalotina e cefazolina), aminoglicosídeos(garamicina e amicacina) - Operações ginecológicas
.na cirurgia vaginal principalmente- cefalosporina (cefalotina ou cefazolina) ou metronidazol - Operações urológicas
.aminoglicosídeo, cefalosporinas, quinolonas, quando huver contaminação
Microorganismos mais frequentes envolvidos em infecções
- Infecções superficiais
.erisipelas e linfangites sub-agudas – estreptococos
.abscessos sub-cutâneos- estafilococos
.mastite- estafilococos
.ferida traumática infectada com sepse- estafilococos, estreptococos do grupo A, coliformes ,clostrídios
.celulite associada com cateteres- estafilococos, pseudomonas e coliformes
.Queimaduras infectadas(primeira duas semanas)- estafilococos
.Queimaduras infectadas(após duas semanas) –coliformes
- Infecções intra-peritoniais
.Peritonites secundárias à lesão intestinal- coliformes
.colecistites agudas e colangites –coliformes, pseudomonas, cl. perfringens e enterococos
.Abscesso hepático –coliformes, proteus, enterococos, estafilococos, bacteróides e ameba
. Aborto séptico e endometrite –bacteróides, coliformes e estreptococos
.Abscessos peri-nefréticos e pielo-nefrites- klebsiela, aerobacter, proteus, pseudomonas e e.coli
- Outras infecções
. Abscesso peri-retal – coliformes, bacteróides, enteróides, enterococos e proteus
. Artrite séptica pós-operatória – estafilococos, coliformes, proteus e pseudomonas
. Empiema pleural em cianças menores de 6 meses- estafilococos(coco gram +) e h. influenza(bacilo gram-)
Quadro clínico
- Sinais clássicos (calor, tumor, rubor e dor)
- Presença de líquido (flutuação)
- Febre
- Astenia
- Taquicardia
- Anorexia
- Perda ponderal
- Agitação e torpor
- Choque com vasodilatação periférica
- Taquipnéia e hipóxia
- Falência renal
- Coagulopatia de consumo, coagulação intra-vascular disseminada
Diagnóstico
- Quadro Clínico
- Hemograma completo
- Função renal
- Rx de abdome/tórax
- USG de abdome
- Tc de abdome/pelve/tórax
Diagnóstico microbiológico
- Coleta de secreção(purulenta ou não) e realização de exame bacteriológico, cultura e antibiograma
- Hemocultura e antibiograma
Tratamento
- Tratamento cirúrgico imperativo na vigência de abscesso
- Remoção de bactérias, leucócitos degenerados e tecido necrótico
- Remoção de corpo estranho, tecido desvitalizado ou gangrenado
- Remoção de órgão sede de infecção(apêndice cecal)
Antibioticoterapia
- Não é elemento exclusivo ou principal nas infecções cirúrgicas
- Devem limitar a disseminação para tecidos moles e via hematogênica
- Microorganismos devem ser sensíveis à droga
- Parte das infecções é causada por associações de microorganismos
- Infecção hospitalar ou não hospitalar
- Considerar gravidade, localização, perfusão sangüínea tecidual, capacidade de metabolização e excreção(fígado e rim)
- Alerta para incompatibilidade entre drogas e efeitos tóxicos
“ O diagnóstico completo inclui três etapas: o diagnóstico da infecção propriamente, o diagnóstico das falências orgânicas e o diagnóstico microbiológico”
Ruy G. Bevilacqua